O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA, no uso da atribuição que lhe confere a Lei n° 8.242, de 12 de outubro de 1991 e o Decreto nº 5.089, de 20 de maio de 2004, como órgão formulador e controlador da política de proteção integral a criança e ao adolescente, tendo em vista a decisão majoritária do Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de Inconstitucionalidade 2404, vem a público reiterar seu apoio à Política da Classificação Indicativa e expor as razões pelas quais entende relevante a manutenção da existência da vinculação horária por faixa etária, consoante dispunha o artigo 254 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).A política da classificação indicativa tem o objetivo de explicitar para qual faixa etária obras audiovisuais são indicadas, informando especialmente crianças e adolescentes e suas mães, pais e responsáveis. Referida informação é indispensável para que estes possam identificar a recomendação de audiência conforme faixa etária.
Tal política está de acordo com a Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU (1989) que prevê que os Estados Parte reconheçam a importante função desempenhada pelos meios de comunicação, se comprometam a zelar para que a criança e o adolescente tenham acesso a informações capazes de promover sua saúde física e mental, e responsabilizem-se por promover diretrizes para protegê-los contra conteúdos potencialmente prejudiciais ao seu desenvolvimento. Assim, classificar indicativamente a programação é apontar conteúdos apropriados ou inapropriados a crianças e adolescentes, respeitando suas condições peculiares de desenvolvimento (art. 6º, ECA).
A determinação de faixas de horário, enquanto parte da política de classificação indicativa, era uma das diretrizes nesse sentido e está prevista no artigo 10 da Portaria n° 368/2014 do Ministério da Justiça, com a seguinte redação:
“I – faixa de proteção à criança:
a) das seis às vinte horas: exibição de obras classificadas como livres ou não recomendadas para menores de dez anos;
II – faixa de proteção ao adolescente:
a) a partir das vinte horas: exibição de obras classificadas como não recomendadas para menores de doze anos ou com classificação inferior;
b) a partir das vinte e uma horas: exibição de obras classificadas como não recomendadas para menores de catorze anos ou com classificação inferior; e
c) a partir das vinte e duas horas: exibição de obras classificadas como não recomendadas para menores de dezesseis anos ou com classificação inferior; (…).”
Esse mecanismo garantia a eficácia da política da classificação indicativa, uma vez que, como é sabido, nem sempre mães, pais e responsáveis estão ao lado de crianças e adolescentes para recomendar ou não a audiência de determinado programa de rádio ou televisão.
A diferença de fusos horários no território brasileiro é também uma preocupação, pois há o risco de que os meios de comunicação deixem de ajustar suas programações ao horário local. Neste cenário, crianças e adolescentes de estados que possuem fusos horários diversos ao de Brasília ficariam expostos a maior vulnerabilidade.
Conteúdos audiovisuais, especialmente aqueles veiculados pela televisão, a qual crianças e adolescentes assistem em média 5h35 por dia (IBOPE, 2014), têm especial poder de influência no seu desenvolvimento, motivo pelo qual a atenção e a preocupação com tais aspectos é extremamente relevante.
A política de classificação indicativa e seu mecanismo de faixas de horário, portanto, estão de acordo com os pilares do direito da criança e do adolescente, na medida em que reconhecem o peculiar estágio de desenvolvimento desse público em favor do seu melhor interesse, primando por sua proteção integral e colocando seus direitos em primeiro lugar, conforme a norma da absoluta prioridade prevista no artigo 227 da Constituição Federal.
Ainda, importante ressaltar que a política de classificação indicativa e o instrumento de faixas de horário não podem ser confundidos com mecanismos de violação à liberdade de expressão ou equivalentes à censura, na medida em que não têm o objetivo de proibir a veiculação de conteúdos, mas tão somente indicar o horário adequado para exibição. Nesse sentido, importante não perder de vista que são os próprios veículos de comunicação que auto classificam seus conteúdos, cabendo o monitoramento pela sociedade e pelo Ministério da Justiça e Cidadania.
O dispositivo das faixas etárias é mecanismo protetivo à infância e à adolescência, sendo adotado em vários países de tradição democrática, tais como Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Reino Unido, Suécia, dentre outros, que têm políticas semelhantes nesse tema.
Portanto, a decisão do STF, ao julgar pela inconstitucionalidade da regulação horária de conteúdos, prevista no artigo 254 do ECA, estabelece grave retrocesso e viola a garantia de absoluta prioridade dos direitos de crianças e adolescentes, bem como compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro.
Pelo exposto, com a decisão da ADI 2404 pelo STF, este Conselho entende que o Estado e os veículos de comunicação, enquanto parte da sociedade, potencialmente deixam de contribuir com a família para a proteção de crianças e adolescentes.
Nesse contexto, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA, enquanto órgão comprometido com a infância e a adolescência, com as instituições democráticas e com a liberdade de expressão:
(i) Entende a classificação indicativa como política fundamental sob a perspectiva da prioridade absoluta e do superior interesse dos direitos de crianças e adolescentes, os quais devem prevalecer frente a outros interesses;
(ii) Alerta a sociedade para o prejuízo da queda da regulamentação das faixas de horário para exibição de conteúdos impróprios a crianças e adolescentes;
(iii) Conclama os meios de comunicação a manter a observância aos parâmetros estabelecidos pela Portaria 368/2014 do Ministério da Justiça;
(iv) Apela ao Supremo Tribunal Federal que reconsidere sua decisão no âmbito da ADI 2404;
(v) Solicita ao Ministério da Justiça e Cidadania, responsável pela política da classificação indicativa, que, com a participação deste Conselho e da sociedade civil, elabore estratégias capazes de assegurar a continuidade e a efetividade da política de classificação indicativa;
(vi) Assume o compromisso de permanecer atuante na defesa da classificação indicativa, enquanto um instrumento de garantia de direitos de crianças e adolescentes.
Brasília, 15 de setembro de 2016.
Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
CONANDA