O Conselho Nacional de Deitos Humanos (CNDH), reunido nesta quinta-feira (18/2) em Brasília, aprovou manifestação em defesa da Classificação Indicativa, na qual pede ao Supremo Tribunal Federal (STF) que julgue improcedente a ADI que propõe o fim das sanções às empresas que descumprirem a classificação. O CNDH reforçou que essa política é fundamental para assegurar o direito à proteção integral da criança e do adolescente. Confira abaixo a íntegra da decisão.
MANIFESTAÇÃO DO CONSELHO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS (CNDH) EM DEFESA DA CLASSIFICAÇÃO INDICATIVA
O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) vem, por meio deste, manifestar-se em defesa da Classificação Indicativa, instrumento de proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes no Brasil.
A Classificação parte de avaliação sobre impactos da exposição de crianças e adolescentes, em diferentes fases de desenvolvimento psicossocial, a cenas que contenham drogas, violência e sexo e que sejam exibidas em emissoras de televisão aberta, que funcionam por meio de concessões públicas. Ao fixar o horário para a exibição desse tipo de conteúdo, busca limitar ou orientar o acesso a determinadas obras, contribuindo, assim, para um processo de educação para a mídia e proteção a esses segmentos em conjunto com a família, como prevê a Constituição Federal.
Essa política está em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF), a partir da Ação Direta de Inconstitucionalidade 2404, ajuizada pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), que objetiva revogar o artigo 254 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei 8.069/901. A ação pretende revogar o dispositivo que prevê sanções às emissoras que veiculem conteúdo em horário diferente do recomendado, desrespeitando a classificação indicativa. Na prática, ficaria a cargo apenas das empresas a opção de seguir ou não a indicação. O julgamento estava parado desde novembro de 2011 e foi retomado em novembro do ano passado.
Para o CNDH, a Classificação Indicativa nas emissoras de TV aberta vai ao encontro da proteção das crianças e dos adolescentes, estabelecida como prioritária na Constituição Federal brasileira, pois os protege de conteúdos inadequados. Isso ocorre por meio de uma regulamentação positiva, ancorada na classificação de conteúdos (que variam de livre a não recomendado para menores de 18 anos) feita de forma participativa e, inclusive, por meio da autoclassificação dos programas pelas próprias empresas de radiodifusão. Destaca-se ainda o fato de não haver análise prévia de conteúdo e de possível sanção em caso de descumprimento só poder ser aplicada pelo Poder Judiciário.
As empresas desse setor argumentam que a Classificação Indicativa viola a liberdade de expressão, direito fundamental para a realização da democracia e que resta garantido constitucionalmente em nosso país. Este Conselho entende, no entanto, que os direitos não são absolutos e que apenas se for tomada como tal é que a liberdade de expressão pode ser considerada atingida pela Classificação Indicativa. Isso porque a restrição promovida pela Classificação é mínima, relacionada exclusivamente ao horário de exibição dos programas, não à livre produção e circulação deles.
O que a Classificação Indicativa faz é buscar o equilíbrio entre os direitos, o que é central para a garantia de todos eles, como consta na Declaração de Viena, a qual estabelece que os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados. A medida protetiva aqui destaca também está apoiada no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, que reconhece que o exercício da liberdade de expressão “não pode estar sujeito à censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente previstas em lei”, as quais devem ser necessárias para “assegurar o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas” e “proteger a segurança nacional, a ordem, a saúde ou a moral pública”.
No caso brasileiro, a Constituição Federal corretamente aboliu a censura prévia, assegurou a liberdade de expressão e estabeleceu a possibilidade da União “regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada”, conforme o parágrafo 3º do artigo 220. Já o inciso XVI do artigo 21 definiu como competência da União “exercer a classificação, para efeito indicativo, de diversões públicas e de programas de rádio e televisão”. O que a política faz, portanto, é regulamentar algo previsto em nossa Carta Magna.
Além das previsões legais, a efetivação da Classificação Indicativa nos sistemas de radiodifusão tem se mostrado acertada na prática em diversos países, como Canadá, França, Índia, África do Sul, Reino Unido e Estados Unidos. Isso porque ela minimiza possíveis prejuízos psíquicos e culturais sobre pessoas ainda em fase de desenvolvimento. Esses impactos, aliás, são profundos, imediatos e não são facilmente reparados (não podendo, por exemplo, ser mitigados por compensações pecuniárias).
A adoção desse mecanismo considera ainda a centralidade dos meios de comunicação na construção de valores, referências e visões de mundo. Pesquisa Brasileira de Mídia 2015, elaborada pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom/PR), mostra que 95% dos/as entrevistados/as veem TV, sendo que 73% a assistem todos os dias. Essas pessoas dedicam a isso, em média, 4h31 por dia, de segunda a sexta-feira, e 4h14 no fim de semana. Já o rádio é escutado por 55% dos que participaram do estudo. Cerca de 30% usam esse meio todos os dias. Durante a semana, a exposição é, em média, de 3h42 diárias. Aos sábados e domingos, a média chega a 2h33. Dado a rotina de trabalho dos brasileiros, sabemos que muitas vezes o consumo de conteúdos se dá sem a presença dos pais, o que reforça a necessidade da indicação.
Diante desse cenário, o Conselho Nacional de Direitos Humanos manifesta preocupação com a possibilidade de alteração do mecanismo e convida a sociedade brasileira a engajar-se na defesa dos direitos de crianças e adolescentes, também por meio da defesa da Classificação Indicativa. Ademais, roga ao Supremo Tribunal Federal (STF) que julgue improcedente a ADI, a fim de assegurar o direito à proteção integral da criança e do adolescente.
Brasília, 18 de fevereiro de 2016.
1 O artigo na íntegra estabelece: “Art. 254. Transmitir, através de rádio ou televisão, espetáculo em horário diverso do autorizado ou sem aviso de sua classificação: Pena – multa de vinte a cem salários de referência; duplicada em caso de reincidência a autoridade judiciária poderá determinar a suspensão da programação da emissora por até dois dias”.