Ministro do STF afirma: “não é censura”

No dia 5 de novembro de 2015, na retomada do julgamento da ADI 2404, o ministro Edson Fachin divergiu de seus colegas do STF e defendeu a manutenção das sanções às emissoras que veicularam conteúdo em horário diferente do recomendado, desrespeitando a classificação indicativa. A ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo PTB em 2001 a pedido das emissoras de radiodifusão, busca revogar o artigo 254 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

O texto do artigo prevê multa para as emissoras que desrespeitarem a Classificação Indicativa dos programas de televisão, veiculando conteúdo em horário não apropriado. As empresas de comunicação defendem a tese de que a vinculação horária da programação a faixas etárias para as quais seriam recomendadas representa uma violação à liberdade de expressão.

O julgamento estava parado desde novembro de 2011, após pedido de vistas do então ministro Joaquim Barbosa, e retomou nesta quinta com o voto de Fachin. Para o ministro, o Supremo deve se posicionar sobre o artigo 254 do ECA explicitando que sua interpretação não pode significar a proibição da veiculação de qualquer conteúdo pelo Estado – isso, sim, caracterizaria a prática de censura. Mas pode, sim, significar a indicação de uma faixa horária recomendada para proteger crianças e adolescentes de impactos no seu desenvolvimento psicossocial. E que isso não é censura.

Nas palavras do ministro, “liberdade de expressão e proteção das crianças não são incompatíveis”. Para ele, “esta restrição pontual à liberdade de expressão pode existir em função do que estabelece o artigo 227 da CF”, que garante prioridade absoluta para as crianças e afirma o papel do Estado e da sociedade para protegê-la de todas as formas de violência.

Edson Fachin defendeu sua posição com base no que afirmam diversos tratados internacionais, como o Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Interamericana de Direitos Humanos) e a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças e Adolescentes.

O ministro também citou decisões da Corte Européia e Interamericana de Direitos Humanos, e da Corte Suprema dos Estados Unidos, que em casos semelhantes reafirmaram a importância da existência de um horário protetivo para a veiculação de determinados conteúdos na TV.

Num voto muito denso e aprofundado, Fachin buscou ainda referências internacionais em documentos como o “Guidelines for Broadcasting Regulation” (Orientações para a Regulação da Radiodifusão), editado pela ONU, e no trabalho de órgãos reguladores como a Federal Communications Commision, dos Estados Unidos, e o Ofcom, do Reino Unidos. E elencou os inúmeros países que contam com mecanismo semelhante à Classificação Indicativa entre as regras que devem ser respeitadas pelos veículos: França, Irlanda, México, Alemanha, Espanha, Canadá, Filipinas, entre tantos outros.

Deixou muito claro, assim, que a política brasileira de Classificação Indicativa está em acordo com o direito internacional e com os padrões internacionais de liberdade de expressão. Ou alguém acha que todos esses países censuram os meios de comunicação?

Depois do voto do ministro Fachin, o ministro Teori Zavascki pediu vistas, e por enquanto não há data para a nova retomada do julgamento.

Em defesa das crianças

Em novembro de 2011, quando o julgamento da ADI teve início, o relator Dias Toffoli votou em acordo com o pedido das emissoras de TV. Na sessão desta quinta, chegou inclusive a dizer que “o Estado não pode imiscuir na atividade da imprensa”, ignorando que a Classificação Indicativa não inclui os programas jornalísticos. Na época, os ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia e o então ministro Ayres Britto acompanharam o relator. Agora, restam mais cinco votos para a conclusão do julgamento.

Para a Procuradoria Geral da República, que já se pronunciou sobre o caso, a ação é improcedente e a previsão de sanção para os canais de desrespeitarem a política pública, que só pode ser aplicada pelo Poder Judiciário, é legítima. O Ministério Público Federal entende que a liberdade de expressão dos canais deve estar em consonância com outros direitos, como a proteção de crianças e adolescentes diante de conteúdos que podem lhes causar danos.

Na avaliação de organizações da sociedade civil defensoras dos direitos humanos e que integram o processo no STF como amici curiae, a política pública que regula a Classificação Indicativa no Brasil é fundamental e deve ser mantida. Elas acreditam que, caso o Supremo derrube o art. 254 do ECA, as emissoras passarão a ignorar o horário indicado para veiculação dos conteúdos violentos e de teor erótico, causando sérios danos ao desenvolvimento psicossocial de meninos e meninas em todo o país.

Em nota, cerca de 80 organizações repudiaram a ação movida no STF e, considerando os avanços da política de Classificação Indicativa desde o início do julgamento, em 2011, solicitaram a realização de uma audiência pública pelo Tribunal antes da retomada da análise do caso. Infelizmente, o relator Dias Toffoli não atendeu ao pedido da sociedade. Na última semana, foi lançada uma campanha nas redes sociais com a #STFprotejaInfancia.

Em dezembro de 2014, pesquisa de opinião realizada pelo Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas, no âmbito de uma cooperação técnica entre a Secretaria Nacional de Justiça (SNJ) e a Unesco, mostrou que 94% dos entrevistados consideram a política de Classificação Indicativa importante ou muito importante – o percentual cresce de acordo com o aumento da escolaridade dos entrevistados.

Já 71% acham muito importante que as emissoras de TV aberta respeitem a vinculação horária, 85% defendem a continuidade da política como ela funciona atualmente e 94% concordam com a aplicação de multas para os canais que desrespeitarem a classificação. Segundo o estudo, 98% dos pais concordam que deve haver algum tipo de controle sobre o que as crianças e adolescentes assistem na TV.

Ou seja, a sociedade brasileira reconhece e apoia a Classificação Indicativa, não havendo portanto qualquer motivo para o desmonte da política, dez anos após a sua bem sucedida implementação. O STF não pode permitir este retrocesso para atender ao pleito de empresas que querem acabar com este mecanismo de defesa dos direitos da infância em nome do vale tudo na TV e de sua busca desenfreada por audiência e lucro. A proteção de meninos e meninas é o mínimo que podemos exigir dos meios de comunicação.

*Bia Barbosa é jornalista, especialista em direitos humanos e mestra em políticas públicas. Integra a coordenação executiva do Intervozes

Fonte: Carta Capital

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