Comitê sobre Classificação Indicativa critica retrocesso na decisão do STF

DECISÃO DO STF SOBRE CLASSIFICAÇÃO INDICATIVA É GRAVE RETROCESSO NOS DIREITOS DA INFÂNCIA

Diante de recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que fragiliza gravemente o sistema brasileiro de Classificação Indicativa, as organizações integrantes do Comitê de Acompanhamento pela Sociedade Civil para a Classificação Indicativa (CASC-Classind), instância vinculada ao Ministério da Justiça, vêm a público reafirmar seu compromisso com os princípios que regem essa política de fundamental relevância para a garantia dos direitos das crianças e adolescentes. Ao mesmo tempo, o Comitê considera imperativo externar as seguintes considerações:

No dia 31 de agosto de 2016, o plenário do Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 2404. Por 7 votos contra 3, os ministros decidiram por eliminar do ordenamento jurídico vigente o artigo 254 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), cujo enunciado assegurava ao Estado brasileiro o poder de impor sanções às emissoras de rádio e televisão que porventura desrespeitassem os preceitos de vinculação horária e etária definidos pelo sistema de Classificação Indicativa.

É preocupante que a maioria dos magistrados tenha optado por impelir o país de volta a um modelo regulatório primário, que não condiz com as melhores práticas adotadas por nações com trajetória consolidada quanto ao fortalecimento dos princípios que embasam o exercício da liberdade de expressão. Em pesquisa realizada em 2012 pelo Centre for Law and Democracy para o Ministério da Justiça – e de imediato disponibilizada para os membros da Corte –, os sistemas classificativos de seis países foram avaliados: França, Reino Unido, Canadá, Estados Unidos, Índia e África do Sul. Em todos eles o marco legal incluía a previsão de sanções claras para a hipótese de eventual descumprimento das regras vigentes de classificação de conteúdos audiovisuais.

Os principais derrotados nesse processo são os milhões de crianças e adolescentes brasileiros, que terminarão expostos a um volume crescente de conteúdos audiovisuais nocivos a seu desenvolvimento psicossocial. Sem o anteparo oferecido pelo artigo 254 do ECA, as emissoras podem agora alavancar a presença de cenas de sexo e de violência, sem necessidade de gradação e em qualquer horário do dia e da noite.

Além disso, o veredito do STF libera as emissoras de seguirem as regras da Classificação Indicativa de acordo com os fusos horários locais e com o Horário de Verão. Como essa medida reduz custos operacionais, é possível prever que toda a extensão do território nacional passará a receber os conteúdos da televisão segundo a grade de programação do horário de Brasília. Na prática, as crianças e adolescentes residentes no Sudeste, Sul e Distrito Federal passarão a ter mais direitos do que aquelas das demais unidades da federação – o que reforça as desigualdades históricas existentes entre as diversas regiões do país.

Cabe ter em mente, entretanto, que a vitória conseguida pelas emissoras no julgamento recentemente concluído não representa que a Corte tenha determinado o fim da política da Classificação Indicativa. Mesmo entre os sete ministros que votaram pela inconstitucionalidade do artigo 254 do ECA, vários fizeram questão de reafirmar a importância do Estado seguir oferecendo à sociedade recursos que apoiem a proteção de crianças e adolescentes em relação à programação televisiva.

Os radiodifusores devem continuar autoclassificando seus produtos de entretenimento segundo as faixas etárias definidas. E o Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação do Ministério da Justiça (Dejus) segue tendo a obrigação de supervisionar a adequação dessa autoclassificação. Da mesma forma, se mantêm as responsabilidades do Dejus em relação à classificação de outros produtos audiovisuais, como filmes e jogos eletrônicos.

À sociedade como um todo, cabe agora reforçar o monitoramento do comportamento das redes de televisão e estimular a análise e o debate público em torno dos indicadores de desempenho de cada uma delas em relação à Classificação Indicativa. O que as estatísticas do Dejus indicarão sobre o novo cenário? Quais redes, emissoras e programas se mostrarão mais dispostos a violar os direitos de crianças e adolescentes, na busca por assegurar maior margem de lucro?

As organizações integrantes do Comitê de Acompanhamento pela Sociedade Civil para a Classificação Indicativa entendem que essa é a única política do governo federal a ter como foco a garantia dos direitos de crianças e adolescentes no campo da mídia. Diante da gravidade da presente situação, instam o Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação do Ministério da Justiça e Cidadania a convocar urgentemente – respondendo às diretrizes que levaram à criação do Comitê no dia 4 de julho de 2012, por meio da Portaria nº 25 da Secretaria Nacional de Justiça – uma reunião de trabalho especialmente dedicada a definir iniciativas que venham a garantir sustentação à Classificação Indicativa e fortalecer os mecanismos de acompanhamento do desempenho das emissoras de televisão nesse novo contexto.

Brasília, 05 de outubro de 2016.

ANDI – Comunicação e Direitos
Artigo 19 Brasil
Conectas Direitos Humanos
Conselho Federal de Psicologia
Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes – CONANDA
Instituto Alana
Instituto de Estudos Socioeconômicos – INESC
Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
Pastoral da Criança
Sociedade Brasileira de Pediatria

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